O título do meu texto pode parecer um pouco pretencioso, mas penso que não; poderá ser um pouco ambicioso no sentido de encontrar algumas explicações para o estado critico em que se encontra o concelho de Arouca, tendo como referencia os dados comparativos dos dois últimos censos (2001-2011).
Sempre mantive um olhar denso sobre a realidade da minha terra, no sentido de acompanhar as suas transformações e os seus desafios. Houve momentos em que também fui actor e agente interveniente dessas transformações: como estudante, como professor na ESA, como membro associativo empenhado nas coisas do ambiente, do património e do desenvolvimento ou ainda na militância política. Tive também o privilégio de durante quatro anos representar o povo de Arouca na sua Assembleia Municipal, onde participei activamente na política local.
Nestes últimos anos tenho estado mais afastado da minha terra, mas não menos atento ao que lá se passa em termos de realidade populacional, ambiental, económica e cultural.
Esta distância sobre a vida local em Arouca, permitiu-me uma maior objectividade e isenção sobre os problemas que afectam o desenvolviemnto integrado e sustentável da vida em Arouca.
A partir de uma leitura critica e objectiva dos Censos de 2001 em comparação com os dados de 2011,não posso deixar de esconder uma grande tristeza e preocupação pelo futuro de Arouca. Estamos perante uma realidade com grandes e profundos problemas de natureza estrutural, que nos indicam uma tragédia num futuro muito próximo.
O concelho de Arouca integra-se na Área Metropolitana do Porto.Tem características dos concelhos da Nut III do chamado Entre Douro e Vouga, territórios de matriz rural, de transição entre as vilas de montanha e as vilas dos vales fundos. Uma espécie de terras cinzentas que vivendo encostados à montanha, não se ligam facilmente com o litoral urbano e denso, o que lhes coloca problemas no acesso a grandes infra-estruturas, como por exemplo: Porto de Leixões, Aeroporto Sá Carneiro, etc.
Arouca é um concelho em perda de população desde os anos de 2001, porque durante as décadas anteriores Arouca conseguiu conservar a sua população e até a aumentou. Estamos longe dos valores de 1960, em que a população do concelho de Arouca veio de 16.700 hab. em 1900 para os 26.378 em 1960. Desde este pico que a população em Arouca foi de grande variabilidade e apresentou sempre sinais de queda demográfica.
O problema central em Arouca não é só a queda demográfica, mas essencialmente, o envelhecimento da população, associado também a uma queda da renovação de efectivos. Contudo não podemos ignorar que a taxa de perda de população em Arouca ronda os 7% ao ano. Também não é um dado simpático, muito pelo contrário, quando associado às taxas de envelhecimento e de dependência a situação é então trágica. Porque estamos perante uma piramide etária invertida, o que nos remete para problemas na sustentabilidade demográfica e territorial.
Aliás, todas as freguesias apresentam perdas substantivas de população, com a excepção da freguesia de Arouca, que apresenta um crescimento de 2,81%. Este aumento da população na Vila de Arouca está relacionado com a centralidade dos serviços publicos e colectivos nesta freguesia de Arouca. O que vem ao encontro da tese que a população se está a deslocar das freguesias periféricas para o centro da vila de Arouca. A novidade está por exemplo, nos dados referentes às restantes freguesias do vale do Arda. Essas freguesias apresentam dados negativos que se fixam entre os seguintes valores: -3,40 % a -3,68) o exemplo das freguesias de (Várzea, Burgo e Santa Eulália). Já estamos a entrar num ciclo negativo nas freguesias do vale à imagem das freguesias da montanha. As freguesias de Urrô apresentam dados negativos que nos remetem para uma situação entrópica, com valores elevados que rondam -14,68. Neste contexto negativo a freguesia de Tropeço apresenta um valor negativo de -11,35. Urrô e Tropeço como freguesias que fazem a transição entre a zona baixa da montanha e o vale, não são imunes aos problemas de despovoamento tipico das freguesias de montanha.
O envelhecimento no concelho de Arouca é muito preocupante, pois estamos a falar de valores que andam entre os 120% e 456%. Estes dados devem-nos colocar em sinal vermelho, isto é, mobilizar todas as forças e energias para implementar uma politica de renovação da população. Caso contrário vamos assistir ao desmoronamento da estrutura social, económica, ambiental e cultural de Arouca.
Esta realidade de caos e de tragédia ambiental, social e económica já é visivel nas freguesias que se localizam na coroa da montanha (Albergaria, Cabreiros, Covelo de Paivó, Janarde, Moldes, S. Miguel do Mato), com perdas de população que variam entre os 277% e 456 %. A Câmara nestes últimos anos aindam tentou lançar alguns programas de repovoamento, mas que se traduziram em nada de efectivamente sustentável e mobilizador. Depois, veio a tentativa do Turismo de Montanha, mas com uma mancha de eucaliptal tão densa e criminosa, os activos turisticos ficaram àquem do necessário. Assim, a última medida paliativa foi a construção dos passadiços do Paiva. Que deu uma visibilidade grande a Arouca, mas em nada contribuiu para o repovoamento e para a sustentabilidade das aldeias.
O problema persiste!
Cada dia que passa a situação é cada vez mais grave e sem retorno.
Por exemplo, Covelo de Paivó perdeu 40% da sua população, tem neste momento menos de 100 habitantes a viver permanentemente no seu território. A velhice, a doença e a solidão atiram estas pessoas para uma situação de abandono forçado das suas casas, dos seus lugares, dos seus cantos de vida. No fim da vida, perdem o direito à sua casa, ao seu lugar e aos seus mundos de afectos. É todo um mundo de tragédia que se abate sobre estes resistentes que perante a longa idade são derrotados pela velhice. Esta situação leva à institucionalização de familias de idosos, com a perda dos seus vínculos afectivos às suas coisas, às suas memórias, às suas vidas.
Estamos a negar o direito a viver e a morrer na sua casa, na sua aldeia, na sua comunidade a estes homens e mulheres que trabalharam uma vida inteira nas suas hortas, nos seus bosques, que limpavam as matas onde levavam o seu gado a pastar. Que canalizavam as águas para regar os seus campos, bem como para os seus moinhos de onde faziam a farinha para o seu pão. Todo um ecossitema que entra em entropia. Quando se fala tanto em defesa de património, e nada se faz pela promoção da vida digna.
O indeci de dependência de idosos é assustador. Por exemplo, para as freguesias de montanha ele varia entre 48,8 % a 77,1 %; para as freguesias do vale temos uma taxa que varia entre 27,7% e 48%; e depois temos três freguesias que apresentam dados mais positivos, em relação aos dados trágicos que acabamos de enunciar. Assim, as freguesias de Canelas, Várzea e Santa Eulália apresentam uma taxa de 20,9 a 23,1 %.
Outro dado preocupante porque nos remete para programas de planeamento de baixa densidade, com o patrocinio de decisões políticas erradas e irresponsaveis. Quando se aprovou os instrumentos de planeamento da vila e concelho de Arouca. Estamos a falar do Plano Director Municipal (PDM:1995;1998;2009), o Plano de Urbanização da Vila de Arouca, (PU:2005), que definiram como modelo de ordenamento do território a baixa densidade.
A decisão politica de promover um território em baixa densidade, não está indeferente à necessidade de promover a especulação dos solos, com a passagem de forma indescriminada de solo da Reserva Agricola Nacional (RAN) para a situação de zona urbana e de construção. Esta decisão política "criminosa" colocou em causa a sustentabilidade do território em termos ambientais, sociais e económicos.
Com estes PDM`s de baixa densidade promovemos frentes de construção sem nenhum contexto de vida social, económica e cultural. Obrigou o municipio à construção de redes de infra-estrutura de baixa densidade, onde não é possível encontrar o minimo de sustentabilidade económica e social, para além dos graves atentados ao ambiente com a destruição de solo agricola e com a dependência do transporte privado.
A densidade populacional no concelho de Arouca varia entre os seguintes valores: os 7 hab./km2 e os 295 hab./km2 na freguesia de Arouca. Outro dado relevante é o da densidade de alojamentos / km2, que também ilustra de forma cruel como fomos desenhando um modelo de ordenamento do território absolutamente trágico, irresponsável e dependentes dos negócios do sector imobiliário. Por exemplo, no que se refere à densidade de alojamentos por Km2 este varia entre 136 alojamentos para arouca e os 40.2 em média para as restantes freguesias. O que é sem duvida um resultado que aponta para um território com grande dispersão de meios, de infra-estruturas, isolamento populacional, rede de água e luz, saneamento e mobilidade deficiente e muito cara ou a rondar a insustentabilidade num futuro muito próximo.
Associado a todos estes problemas estruturais que o envelhecimento da população coloca, ainda temos que adicionar a degradação ambiental, a perda de qualidade da água no concelho, a destruição da biodiversidade, o abandono da agricultura, a destruição do solo agrícola. Como podemos constatar a realidade da qualidade de vida em Arouca é um caso muito sério.
Esta situação de tragédia anunciada tem retorno? Penso que sim, nada é impossível. Mas, não acredito que seja possível resolver e atenuar estas realidades nos próximos anos. Possivelmente, ainda vamos continuar a agravar mais a situação. Os políticos, os partidos locais e a cidadania não estão mobilizados para mudar de rumo, de protagonistas, de politicas correntes e festivas.
Claro que podemos fazer, como temos feito, enterrar a sardinha na terra e esperar que ela se multiplique!?
Se assim for, não me parece que Arouca vá ter um futuro muito feliz!
Gostava muito que os meus amigos, os meus colegas se unissem na mobilização de uma alternativa séria, objectiva e de rigor em prol da construção de uma Arouca Futura?
Imagem:
Pintura a óleo e acrilico
by Edie Jolley