terça-feira, 23 de setembro de 2014

O Largo de S. Domingos

O Largo de S. Domingos fica no coração da cidade antiga do Porto. Um pedaço de cidade, aberto, inclinado, mal arrumado entre a Ruas das Flores, a  Rua de Belomonte e a Rua Nova de S. João. Este largo confere a esta zona da cidade uma espécie de lugar aberto e contido entre as fachadas imponentes de alguns dos edifícios que por ali foram construidos ao longo dos últimos séculos.

Uma arquitectura de fachadas imponentes, de aberturas almadinas, onde a madeira e o ferro lhes conferem uma estética e uma plasticidade singulares.

O largo é contido e desenhado de forma emotiva, sem os rigores da geometria dos tempos modernos. Encaixado entre os espaços das ruas que por ali desaguam é sem duvida um lugar de parar, de olhar e de contemplar. Um lugar de fazer negócios, encontros e desencontros. Um espaço de passagem mas também de ancoragem.

Em toda a sua configuração o Largo de S. Domingos tem agarrado a si lojas de comércio tradicional, tascas antigas como a dos Irmãos Linos, a Papelaria Araujo & Sobrinho, lojas de retalho e de vinhos do Porto. Um espaço de grande diversidade económica e social, de grande complexidade cultural. Mas a ruína e o vazio também já cá fizeram a sua morada e ainda persistem as memórias desse registo. São casas abandonadas, ruínas de palácios, de casas burguesas, fachadas em estado de ruína permanente.

Mas o antigo Largo de S. Domingos parece estar destinado a grandes transformações. Nunca foi um espaço da cidade bem arrumado e bem fechado em termos de planta urbana na cidade velha. Por isso, passou ao longo da sua longa existência por variadíssimas transformações morfológicas e tipológicas. Traçados e ângulos que se transformaram, arquitecturas que desapareceram e outras novas que aí foram plantadas sem pudor e sem amor à memória e ao sitio.

Este largo permite-nos compreender a matriz do palimpsesto de que é feito a nossa cidade. Entre movimentos de resistência e de transformação, a cidade é evolutiva e histórica. E nela tudo é momento, narrativa e discurso em processo de mudança histórica. A arqueologia é um acidente e uma apoteose neurótica da memória que se quer colectiva e identificativa de um passado onírico e glorioso.

Hoje. O Largo de S. Domingos lá está mal arrumado, de geometrias esquinadas, a colocar a cabeça dos arquitectos e urbanistas em rodopio. Bem isto a propósito do programa de reabilitação das ruas das Flores e do Largo de S. Domingos.

Um espaço inclinado, sem complexidade, sem heterotopia e sem desenho. Monótono, cinzento a doer cá por dentro. Um hino ao vazio pós-moderno, globalizado nos tiques e nos toques, sem identidade simbólica e cultural. Uma espécie de terra de ninguém ao serviço do mercado turístico global e massificado.


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