sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Homem de Cetim 1947




Estava-mos no ano de 1947.
Um homem vestido de cetim desfilava na praça da sua terra.
Um acontecimento... Pequeno acontecimento este que dava um colorido diferente em dias de feira. A praça era dominada por essa figura altiva que se passeava de cetim... Um pijama de cetim. Comprado pelo ouro da época – o vulfrâmio.
Era o tempo das notas gordas. Dos sacos pesados de vulfrâmio. Das viagens de taxi para a cidade do Porto. Das festas regadas a cântaro de vinho acompanhado com sopas e pão-de-ló. Das noites jogadas a cartas viciadas e fraudulentas. Das estórias de encantar e de meter medo. Era a época dos lobisomens, das bruxas que tomavam banho nos ribeiros e roubavam a honra a homens honrados. Das hospedarias apinhadas de forasteiros. De gentes muito ricas e muito pobres. De vendedores, de traficantes, de mulheres e crianças que corriam para o apanha. Dias de troca, dias de glória, dias de abundância, dias de desgraça e de miséria também. Como nos dizia o Zé Maria de Covelo de Paivó eram tempos do diabo.










O Pantagruel de Arouca



  Image result for doçaria conventual de arouca          A doçaria conventual de Arouca tem sido elemento constante da comensalidade e da mesa de muitas gerações de arouquenses, que na sua terra ou lá longe da terra, estabelecem uma ligação uterina com as sua origens. Os doces conventuais são presença indispensável nas cerimónias religiosas e nas festividades familiares, construindo em seu torno uma fina teia de ligações afectivas e culturais entre todos os arouquenses.
            A sua delicada apresentação, com formas geométricas mais ou menos puras, com  texturas fortes, a cor branca é dominadora na forma subtil como envolve conteúdos e segredos do seu fabrico artesanal. Uma verdadeira obra de arte, pintada a branco e amarelo. Quando apresentados em mesa são de uma beleza monumental. Associando três elementos fundamentais a pureza, a simplicidade, e o bom gosto.
            Toda a obra de arte tem um autor. A doçaria conventual de Arouca também é obra de autor. O seu nome é conhecido por todos aqueles que amam a arte e a beleza da mesa. Como todo o artista também o Manuel Bastos teve o seu mestre. Que lhe ensinou a pegar na massa com as mãos e a construir doces, doces conventuais segundo uma tradição que as mãos sábias de uma mulher do povo soube guardar e transmitir.
            Um homem de barbas pretas e fartas, de barriga bem feita, com mãos fortes e delicadas desenha obras de arte em açúcar, farinha e ovos. Sempre atento ao mundo, ao seu mundo – a sua terra. Com uma personalidade afavel, dialogante, mas crítica perante a vida e o mundo. Um verdadeiro filósofo da mesa na forma como trata o humano.
Uma arte efémera que estabelece relações analógicas com a biologia e a natureza. Estamos perante uma actividade artística de dimensão estética erudita, porque associa a simplicidade da forma estética à complexidade do seu fabrico artesanal. Uma arte de esculturas em miniatura, produto de uma tradição doçeira que mergulha nos grossos silêncios do passado histórico da vila monástica de Arouca. Uma arte de segredos e mistérios em função de um tempo mítico e fundador.     
           


Casa do Souto (Douro) aos 19 de Abril de 2004