quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Purga no PSD...em nome da filiação e do clientelismo



O PSD ferido de morte por causa dos resultados eleitorais começa a dar sinais de irracionalidade e de oportunismo partidário.
Abriu a época de caça contra todos aqueles que não concordaram com as decisões que conduziram o PSD a uma situação de irrelevância política, social e cultural nestas últimas eleições. Perante os desastres das eleições do dia 29 de Setembro, os dirigentes do PSD, após um certo período de nojo, deviam  proceder a um debate interno de forma a identificar quais as desta derrota eleitoral.

Mas não.

O PSD preferiu optar por encontrar um bode expiatório que justifica-se a sua própria falta de estratégia e de sabedoria na selecção dos seus candidatos. Sem escamotear o facto de o governo ser muito impopular devido às medidas de cortes e mais cortes por causa do memorando da Troika.

Seria racional que um partido como o PSD opta-se pela via da análise, da critica interna e da discussão, que possibilita-se identificar os erros da estratégia seguida e que levou à quase erosão do PSD a nível local. Mas não, optou pela via mais fácil e mais redutora. Identificar todos aqueles que não apoiaram as listas oficiais dos directórios distritais. E a partir daí, dar inicio a uma purga sem limites e sem justificação. Que levará o PSD para uma situação de erosão e de implosão como partido relevante no contexto da vida política nacional.

Hoje, em alguns jornais já se falava sobre essa purga. Da existência  de listas com centenas de nomes propostos para serem erradicados do PSD.

Esta noticia se for verdade, coloca o PSD perante a sua própria existência biológica de partido. Pelo facto, de todo este processo conduzir a uma espécie de ajuste de contas entre grupos e facções dentro do PSD.

Os aparelhos únicos responsáveis pela hecatombe de 29 de Setembro vão ver aqui a oportunidade de fazer uma purga interna, correndo com todos aqueles que sempre tiveram outra posição, outra estratégia e outra ambição para o Partido e para Portugal.

Eu próprio tive a oportunidade numa das últimas Assembleias Distritais do PSD Porto, alertar para o facto de o partido e a direcção distrital estar a implementar uma estratégia para as autárquicas de 29 de Setembro tendo como base as lideranças locais, isto é, os presidentes das Comissões Politicas de Secção. Situação que conduziria o partido para um fechamento face à sociedade civil. Ainda por cima, com um governo do PSD e CDS-PP com muito desgaste e impopularidade. Os resultados estão aí a provar as minhas duvidas.

Instalou-se no PSD um clima de terror, de instrumentalização e de policiamento.
As liberdades estão cassadas no interior do PSD. O partido não terá a força e a energia renovadora para conseguir ultrapassar este processo de expulsão e de caça a todos aqueles que não alinharam com Marcos Antónios Costas, Aguiares Brancos, Virgilios Macedos e todas as outras figurinhas menores que foram derrotadas nas últimas eleições locais.

Será que o Dr Pedro Vinha da Costa vai mandar expulsar os eleitores de Matosinhos para o concelho do Porto, por não lhe terem confiado o voto? Será que o Dr. Menezes vai propor que se expulse o Povo da Afurada porque não deu o voto ao seu "único herdeiro"? Será que o Enfermeiro Luís Sousa vai abandonar Baião por ter conduzido o PSD local a um estado de insignificância?

Será que o Dr Virgilio vai expulsar o bom povo tripeiro porque não votou nos seus padrinhos políticos?  A irracionalidade tomou conta dos directórios políticos do PSD e teima em asfixiar qualquer tipo de renovação interna do PSD. Nada que nos seja estranho, pois, sempre tivemos essa noção de que dificilmente o PSD se renovaria a partir da queda eleitoral. Mas esta gente miúda e insignificante que "manda" no partido não tem a inteligência e a humildade suficiente para abandonar o lugar pelo seu pé.

Mais, o PSD onde perdeu. Perdeu por sua e exclusiva responsabilidade. O caso de Gaia, Porto, Matosinhos, Paços de Ferreira, Gondomar, etc. A falta de estratégia, o medo em enfrentar os directórios locais que estão na base do directório distrital levaram o partido para uma situação de clausura social e cívica. O partido não se abriu à sociedade e não teve a capacidade de acolher outras sinergias, outras personalidades independentes. O partido optou, e optou mal pelo aparelhismo e pela lógica interna da conservação dos poderes.

Seria pedir nobreza política a quem não sabe viver em democracia interna e entende a vida partidária como um instrumento não para servir a Nação e o seu Povo. Mas está nos partidos como se estes fossem um instrumento de acesso a carreiras bem pagas e a lugares de influência na vida pública.

Lugares estes e carreiras estas que nunca lhes estariam destinadas pela ausência de mérito e pela falta de capacidades intelectuais e técnicas que esta gente miúda não possui. A única marca de água é serem todos, mas todos filhos da Jota SD....

O PSD caminha assim para a sua evidente implosão e irrelevância....

Aliás, este governo é o seu reflexo mais genuíno e mais exemplificativo. Com Passos Coelho o PSD perde em dimensão social, política e cultural.

No nosso distrito o PSD também se foi enclausurando numa espécie de casulo partidário. Esta situação fez do PSD um partido refém de castas, de lobbies, de interesses, de figuras locais e regionais que trocam entre si os lugares de decisão e de comando. Uma espécie de vira de cruz ao serviço da mesma seita e da mesma estratégia.

Todos gostaríamos que os partidos como o PSD tivessem essa força regeneradora, mas perante a necessidade de se avaliar e de se mudar. O PSD optou por ir à caça às bruxas como forma de encontrar uma causa que justifique as suas péssimas opções e estratégias.

No PSD Porto. O Dr Virgilio é o primeiro culpado desta derrota. Foi ele que definiu e implementou a estratégia e a agenda para as eleições locais de 29 de Setembro.

Foi ele e a sua equipa que Identificaram e Aprovaram em Assembleia Distrital as suas escolhas e os seus programas. Escolheram aqueles que segunda a sua leitura eram os mais competentes e os melhores candidatos.

O Dr Virgilio Macedo perdeu e perdeu muito. Agora, seria normal que coloca-se o seu lugar à disposição dos militantes de forma digna e democrática.

Mas não, parece ter optado pela procura de um bode expiatório. Afinal, a culpa é de todos aqueles que durante meses antes das suas escolhas consideravam que a sua estratégia estava errada e que levaria a este resultado.

Mas, é claro que o Dr Virgilio Macedo prefere continuar no "tacho" e lançar as chamas pelos militantes. Incendiando o partido a nível distrital, local e nacional.

Cenário ideal se justificarem derrotas, não pela incapacidade dos seus candidatos mas por uma causa alheia, - os traidores ao partido e à causa.

A que o povo chama de "tachito"....

Eles ficaram sem o "tachito"... Como diria um comentador na noite de 29 "o PSD vai pegar fogo...ficou muita gente desempregada".




segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Que se lixe a Troika


Foto

Esta última manifestação Que se Lixe a Troika trouxe ao de cima vários dos seus problemas na incapacidade de liderar uma alternativa social. Ficou claro que este "movimento" que aparecia como não tendo uma agenda política na realidade a ausência de uma agenda política é ela mesma a Agenda que não se quer objectivar e evidenciar.

Estes jovens que aparecem associados a este movimento trazem colados ao seu imaginário uma praxis de luta política que se identifica mais com a esquerda contestatária e de rua, do que propriamente um movimento natural que emerge por consequência de uma alternativa aos partidos que se encontram fora do arco governativo.

Este Movimento não pretende ser um espaço de emergência de novos lideres e novas alternativas à arquitectura política actual, mas funcionar como elemento de choque entre a rua e as instituições democráticas. Não se assumiu nem se assume como um movimento com uma agenda e com um programa próprio, mas como uma força pura de contestação social. Esta tentativa imaculada de lutar na rua coloca-nos algumas dúvidas e remete-nos para outros campos da antropologia do poder e dos poderes. Nem tudo aquilo, que diz que é, pode vir a ser. Esta tão divulgada inocência de que não queremos ser um outro poder, que não queremos ser a emergência de outro poder. Demonstra um certo cinismo e hipocrisia política.

A organização mobiliza-se em função de uma agenda social e política, apelando aos portugueses para se manifestarem na rua contra as políticas que são consequência do compromisso com a troika. Até aí tudo bem, o problema é que toda a manifestação política tem um fim social e político concreto. Derrubar o governo e consequentemente mudar de políticas.

Nada disto está objectivamente neste Movimento. Não passa por aqui a necessidade de criar uma alternativa aos actuais partidos políticos. Este Movimento emerge dos silêncios e das cumplicidades
de uma esquerda contestatária e libertária que numa espécie de anarquismo pós-moderno faz da partiipação e da mobilização uma arte performativa.

Esta situação conduz a sociedade actual para uma espécie de limbo político e social, onde a ausência de alternativas e a incapacidade de se criarem lideranças levará para uma situação de conflito armado entre o poder e os cidadãos. E aí, sim, estaremos perante o conflito e a destruição. As ruas apinhadas de multidões silenciosas vão dar lugar à violência e à entropia. O caos social  e a desordem tomaram conta das nossas cidades, das nossas ruas, das nossas escolas.

Aliás, sobre esta tendência a Igreja Católica tem tido uma atitude de muita cautela e sensibilidade. Se por um lado, alguns dos seus máximos representantes criticam a situação actual, porque nela não existe equidade e coesão social, por outro lá vão resfriando os ânimos da população.

A situação está no limite. Um governo que não é tolerante e democrático na forma e no estilo. Que agrava as desigualdades sociais. Que coloca em confronto gerações. Que estimula o ódio entre o publico e o privado. Que esmaga a classe média com impostos e taxas injustas e fora da lei.

Um Presidente da Republica que não existe e não está preparado para liderar um Povo em situaçao de colapso social e económico. Um Presidente que não representa o Povo e a Nação. Que não pode saír à rua. É um Presidente sem função, sem mandato e sem relevãncia.

O Presidente da Republica é inútil e caro à Republica.Reparem que à distancia de quase dois anos a nação já discute a mudança de Presidente. Este é mesmo inútil...

Claro que não está em causa a capacidade e a bondade dos organizadores deste tipo de manifestações. Que sem as máquinas dos partidos e sem o apoio dos media conseguem montar uma estrutura que conduz milhares e milhares para a rua em claro protesto contra as políticas actuais.

Infelizmente, estes grupos não estão mandatos por lideranças novas e diferentes, capazes de trazer para o palco político outras pessoas, outras personalidades com discursos diferentes alicerçados em programas e manifestos políticos alternativos aos aparelhos partidários. É urgente, uma nova praxis política para impulsionar novas reformas e a partir daí regenerar a social democracia e o socialismo democrático. Sem este impulso renovador os partidos da social democracia e do socialismo democrático continuam prisioneiros de uma agenda programática liberal e capitalista.

A democracia ocidental encontra-se refém de um conjunto de políticas neoliberais alinhadas à direita e dependentes de um mercado globalizado de capitais. Os mercados financeiros especulativos cercaram os partidos e domesticaram a vida pública.

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

OS POLÍTICOS ESTÃO LOUCOS!


Ainda não tive a oportunidade de fazer uma leitura critica e analítica da Proposta de Lei de Orçamento para 2014. Mas por aquilo que fui registando e lendo a partir de outras fontes e comentários, este OE 2014 pode bem ser a faísca que vai incendiar a sociedade e levar a grandes lutas e movimentos sociais.

Por toda a Europa a insatisfação é latente e preocupante. Aquando de uma visita ao estrangeiro, mais propriamente a Bruxelas e a Paris constatei que havia por aquelas terras do centro da Europa um silêncio desconcertante pelas políticas e pela ausência de liderança europeia. Falando com um casal amigo professores na Universidade de La Cambre, cidade de Bruxelas que teve a amabilidade de me hospedar durante seis dias, a conversa ia sempre para a apatia e a mediocridade do Monsieur Barroso. Esta figura não despertava nestes amigos confiança e perfil de liderança. Era pouco considerado pelas elites da cidade.

Em Paris o mesmo silêncio e a mesma insatisfação. Claro que Paris é uma festa e consequentemente estes sentimentos são mais camuflados pelos turistas que entram e saem da cidade. Mas, nos bairros mais populares e nas zonas residenciais lá estava a insatisfação e a revolta. Paris está no limite da explosão social e politica. O melhor exemplo, deste estado de conflito social e de revolta, encontrou eco na expulsão de uma menina de etnia cigana que em pleno passeio escolar é retirada e enviada para o seu país de origem sem mandato humano que o justifique. Esta situação levantou os jovens franceses para a luta social por direitos humanos e civilizacionais. Afinal, a França de Montesquieu, de Rousseau e de Voltaire não morreram e estão lá no seu genes civilizacional.


Em Portugal, também lá fomos caminhando contra os direitos e os valores sociais e civilizacionais. Um Estado que governado por um "bando de delinquentes" (na célebre expressão do ex-presidente da República Dr Mário Soares) vai cortando nos direitos e atirando todo um povo e uma nação para a pobreza e exclusão. Nas nossas cidades, o silêncio e a resignação estão a dar lugar à tomada de consciência de que o governo da República é inconstitucional, que governa à margem da Lei e age como um "fora da lei". O país está em eminente convulsão social e política. A Europa está em ruptura com os estados membros e com os seus povos e caminha para a sua desintegração.

Estes políticos são loucos.

Os Políticos estão loucos e encaminham as suas nações e os seus povos para o suicídio colectivo. Em segredo e de forma anti-democrática os senhores que governam o planeta decidiram empobrecer os estados e consequentemente os seus povos. Enclausuraram a social democracia num liberalismo tchateriano e ultra-liberal, abandonando os valores e os princípios da social democracia europeia. Colocaram os Estados em situação de dependência e assistência financeira e a partir daí foram destruindo o Estado-Social. Rompemos contratos sociais, aprofundamos as injustiças e afasta-mo-nos da equidade social. É o regresso às velhas formas de desigualdade e de exclusão social; a existência da dicotomia entre pobres e ricos. Aparece novamente o discurso da fatalidade social e da punição colectiva.

Em Portugal, durante estas últimas décadas o Estado fez um esforço por diminuir as formas de desigualdade social, económica, cultural e política. Desde o 25 de Abril que se foram tomando medidas políticas inclusivas e desta forma abrindo a escola a todas as classes sociais sem excepção. Esta política de democratização social e económica do acesso à Escola, promoveu uma maior mobilidade social e diversidade na formação de jovens quadros. Foi possível na mesma Escola sentarem-se ao mesmo lado, na mesma sala, no mesmo recreio o filho do pedreiro e o filho do doutor.

Hoje, penso que começa a ser mais difícil constatar esta realidade social. Aliás, hoje já nem o filho do doutor tem possibilidade de acesso a um ensino e formação universitária gratuita e de qualidade. Com uma política de retrocesso de direitos e regalias sociais, com a desvalorização do trabalho nos países do sul da Europa, vamos aprovando as políticas de exploração e de mão-de-obra escrava dos países que emergem num capitalismo global que reduz o trabalho a uma lógica de mercado desregulado. A Europa ao aceitar a entrada de produtos oriundos da China, de países asiáticos e da América do Sul sem limitações nem regulação está a dar aprovação à exploração de homens, de mulheres e de crianças que trabalham mais de 12 horas de trabalho sem regalias e sem direitos sociais. Um Capitalismo selvagem liderado pela alta finança que controla os directórios dos países ocidentais.

Os jovens turcos da política nacional são o braço deste capitalismo selvagem e desumano. Servem o capitalismo globalizado e desrespeitam as nossas Leis e a nossa Constituição. Governam à margem da lei e falam em nome de um Povo que não é o mesmo que garante a independência da nossa Pátria.

O mesmo se passa no direito à cidade, à habitação e ao emprego. Os políticos aliados a um capitalismo liberal e selvagem agravam as assimetrias e promovem a exclusão e a politização das sociedades. Aprovam e promovem políticas legitimadoras da exclusão social e do empobrecimento dos Povos. Destruindo o Estado e impedindo que o mesmo Estado pode ser um agente de equidade e de coesão entre os seus povos, as suas classes e as suas corporações e instituições.

Estamos perante uma grave crise politica e do estado. O governo governa à margem da Lei e da Constituição. O Presidente da Republica deixou de representar o Povo, a Nação e fala em nome de uma pátria, que não é a Pátria de Junqueiro. A República está órfã de representação política e vive perante uma profunda crise de Estado.

Mas, anda um perfume no ar....de esperança e de luta social.




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Entrevista ao amigo Escritor e Professor Universitário no Brasil Mário Maestri, sobre as Manifestações e Movimentos Sociais nas Ruas do Brasil




Entrevista a Mário Maestri
Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação   
Terça, 08 de Outubro de 2013

Correio da Cidadania: Como vê o país após as multitudinárias manifestações de junho, com a atual retomada de movimentos populares Brasil afora? Vivemos uma retomada do fôlego da cidadania e, quem sabe, da construção de uma nova democracia?
Mário Maestri: Não vejo cenário social e político tão positivo. Apesar de sua indiscutível importância para a consciência de enormes parcelas da população, as manifestações de junho não abriram uma nova etapa histórica, modificando qualitativamente a correlação de forças entre o mundo do capital e do trabalho. Foram, sobretudo, a explosão do difundido mal estar de imensas parcelas da nossa sociedade, protagonizada pelos segmentos assalariados ditos inferiores e médios urbanos. As manifestações não conseguiram construir uma pauta de reivindicações clara, núcleos organizacionais e direção reconhecida.
 Sobretudo, o operariado não interveio naquelas manifestações, ou após elas, quando do fiasco da tentativa da burocracia sindical de reconquistar o espaço simbólico-representativo perdido. Uma imobilidade devida substancialmente à baixa consciência e organização dos trabalhadores, os únicos segmentos sociais capazes de sustentar efetivamente um projeto de democratização social e política de largo fôlego.
 Os aparatos de domínio de nossa habilidosa e despótica sociedade de classe procuram absorver e metabolizar o desequilíbrio produzido pelas manifestações – o que conseguem em um grau certamente não uniforme, em relação aos diversos segmentos sociais e diversas regiões do país, como prova a atual situação do Rio de Janeiro. Nesse processo, desempenha importante papel a mídia, sobretudo a televisiva, articulada explícita e implicitamente com os órgãos estatais. Foi e segue a insidiosa ação de deslegitimação e neutralização midiática das mobilizações, que alcançaram enorme consenso entre a população.

 Correio da Cidadania: Como tem ocorrido esse processo de desconstrução do apoio às manifestações de junho, e das que se seguiram a ela, pela mídia?

 Mário Maestri: Em junho, após o ataque frontal às mobilizações, a grande mídia procurou redirecionar sua retórica, devido ao caráter fluvial e apoio geral da população às demonstrações de rua. Por um lado, procurou influenciar politicamente o movimento, apresentando-o como anti-político, anticorrupção, anti-esquerda, diluindo suas reivindicações materiais – passagem, saúde, educação. Por outro, dividiu os manifestantes em bons e maus e as manifestações em positivas (aceitáveis) e negativas (abomináveis). Tudo segundo os padrões maniqueístas das narrativas televisivas triviais. Uma divisão com objetivos estratégicos.
 A mídia apresentou as manifestações positivas como constituídas por cidadãos conscientes, e as negativas, por baderneiros, depredadores, anarquistas, arruaceiros. Mesmo sendo marginais os atos definidos como antissociais, e não raro encontrarem-se em contradição com as mobilizações, provocando comumente o repúdio dos manifestantes, a mídia televisiva centrou obsessivamente neles as imagens e os comentários. Procura assim fixá-los e generalizá-los na retina do público, em processo consciente de intoxicação social, como o cerne das mobilizações, sua verdadeira essência. Procedimento reproduzido, em suas esferas de atuação, pelos grandes diários e revistas, por parlamentares, por cientistas sociais etc.
 Uma sintaxe de divulgação televisa dos movimentos sociais que, midiatizando incessantemente as imagens-comentáriosdesses fatos marginais, apresenta-os como elementos centrais, deslocando o conteúdo e essência dos fatos, como proposto. Prática generalizada pela grande mídia, que, quando de greves, foca os distúrbios causados por elas na vida da população, negando-se sem pudor a noticiar as razões mesmo superficiais de tais movimentos. Nas recentes manifestações no Rio de Janeiro em apoio aos professores, essa prática alcançou níveis inauditos.
 Nas manifestações de junho e nas mobilizações sucessivas, raramente os repórteres aproximavam-se dos manifestantes para ouvir seus pontos de vista, enquanto eram regularmente entrevistados representantes das forças policiais ou comentados os danos causados pelos baderneiros. Os depoentes enquadrados eram e são quase essencialmente os que corroboravam os conteúdos conservadores propostos pela mídia para as mobilizações. A apresentação de um comentário se fixa como a opinião geral, ainda mais quando são diversos depoentes.

 Correio da Cidadania: Como você encara a forma com que o Estado lida com as mobilizações populares? Há articulação entre o Estado e a grande mídia? O que pensa de grupos como, por exemplo, a Mídia Ninja?

 Mário Maestri: Esse processo de demonização e de criminalização da luta social deu-se em íntima aliança com o Estado. Sobre muitos atos de violência midiatizados são abundantes as provas e indícios de que foram e são promovidos, incentivados ou viabilizados pelos órgãos policiais. Diante dos olhos atônitos da população, ataques a bens públicos valorizados como orelhões, paradas de ônibus, bancos de praças, vidraças de prédios, de moradias etc. processam-se longamente, sem inibição, fartamente filmados, enquanto manifestantes são agredidos pela polícia, longe do enquadramento faccioso da mídia.
 Esse processo de seleção da imagem e da informação pela grande mídia tem sofrido desconstrução, ainda que limitada, permitida pela verdadeira democratização relativa da captação e divulgação da imagem, através, sobretudo, da filmagem por celulares, e sua divulgação no facebookyoutube etc. Essa espécie de guerrilha da imagem e de seus conteúdos tem constrangido comumente a grande imprensa, pautando-a e neutralizando-a, relativamente. Propostas como a Mídia Ninja são ensaios de salto de qualidade em possibilidades ainda pouco aproveitadas pelo movimento social organizado.
 A pronta criminalização por parlamentos estaduais do uso de máscaras em manifestações – a máscara é característica docriminoso – registrou igualmente a sinergia perfeita e imediata entre os órgãos legislativos do Estado, os órgãos repressivos e a demonização das manifestações pela grande mídia. Sobretudo em um Estado em que a polícia mata e tortura sistematicamente, sobre a eterna justificativa ou desculpa das autoridades superiores de que não sabiam, é um direito indiscutível do manifestante não revelar sua identidade.

 Correio da Cidadania: E como vê, especificamente, a atuação de grupos como os Black Blocs, que também têm se destacado e despertado polêmicas na cena política?

 Mário Maestri: É inegável que alguns atos indiscriminados de depredação urbana foram produzidos por jovens que se colocam como parte do campo popular e da esquerda, não raro se reivindicando da ideologia anarquista – certamente do anarco-individualismo, que conheceu derrapagem terrorista, e não do anarco-sindicalismo. Defendem explicitamente uma didática e uma estética da violência, de pretenso cunho político, materializadas na depredação de vidraças de bancos, de prefeituras, de assembleias legislativas e outros símbolos do grande capital e de poder político legislativo e administrativo, que, com razão, são crescentemente odiados por segmentos populares.
 Paradoxalmente, a midiatização exacerbada e interessada desses atos tende a alimentar e fortalecer sua prática por frações politicamente atrasadas da juventude, inebriadas por um possível protagonismo, que nos fatos parasita o movimento de massas ao qual aderem formalmente. Protagonismo que disputa indiscutivelmente a hegemonia ao movimento de massas. Essas práticas se fortalecem devido à falta de alternativa política e à lumpenização material e cultural à qual o capitalismo lança parte significativa da juventude.
 A destruição enquanto estética, didática e prática sistemáticas é própria de segmentos médios radicalizados ou marginalizados, que veem nos objetivos ou nos símbolos que destroem fetiches que os atraem, mas pelos quais são rejeitados na esfera do consumo, e desconhecidos, na da produção. Ela é estranha ao mundo do trabalho, sobretudo organizado, que se objetiva e subjetiva através da construção social – e não da destruição – dos bens materiais e imateriais, e de cujo gozo é fortemente alienado.

Correio da Cidadania: Como podemos definir o fenômeno Black Bloc?

Mário Maestri: O Black Bloc é a organização de jovens por afinidade, em torno de núcleos organizados, facilitada pela mídia social. São, sobretudo, produto da derrapagem de sentimentos antissistema e de tendências protagonistas de jovens radicalizados ou simplesmente atraídos pela destruição e pela violência, em um mundo que não lhes oferece sequer como possibilidade longínqua a perspectiva e o prazer da construção e autoconstrução. A esses grupos se juntam indiscutivelmente provocadores e jovens marginalizados atraídos pela prática da violência.
 Na França, a cada ano novo, centenas de automóveis são simplesmente incendiados por jovens da periferia parisiense e das grandes cidades das províncias. Após isso, recolhem-se à vida degradante e excludente das grandes periferias urbanas em que vivem embretados centenas de milhares de jovens pobres e sem trabalho, em boa parte de origem extra-francesa, mais ou menos distantes, não raro com crescente escolarização.
 Do reconhecimento das origens sociais desses comportamentos, não podemos e não devemos promover sua elevação aostatus de ação política progressiva. É indiscutível a utilização de tais atos contra o movimento social, do qual o Black Bloc disputa o protagonismo, desviando e enfraquecendo o seu sentido político e social. São indiscutíveis a infiltração e a manipulação policial e política desses grupos, mesmo devendo seu surgimento às razões assinaladas. O movimento social deve defendê-los, se necessário, mas criticando esse tipo de atuação e, sobretudo, delimitando as fronteiras políticas e geográficas com os mesmos.

 Correio da Cidadania: Nesse contexto, como enxerga a luta contra a repressão policial violenta das manifestações populares? A desmilitarização da polícia, bandeira hoje na boca de tantos coletivos, teria papel nesse processo?

 Mário Maestri: A discussão do fenômeno do Black Bloc é dificultada porque, aqui e ali, esses grupos confrontam-se com as forças policiais que reprimem violentamente o direito inalienável de manifestação e demonstração política e sindical da população. Contudo, mesmo nesse caso, desempenham papel nefasto, ao se apresentarem como falso sucedâneo da necessária organização da autodefesa das mobilizações populares.
 Nesse sentido, as organizações políticas de esquerda, como o PSTU, que criticarem grupos como o Black Bloc, sem proporem e avançarem a autodefesa organizada das mobilizações, que proteja os manifestantes e estabeleça os limites geográficos e políticos das demonstrações, professam apenas pacifismo intrínseco, absolutamente estranho à tradição do mundo do trabalho, em indiscutível processo de acomodação às instituições dominantes.
 Manifestar, em todo e qualquer momento, sem ser agredido pelas forças do Estado, é direito inegociável que deve ser garantido, em forma organizada e política, pelas próprias forças que se manifestam. Prática que demonstrará, igualmente, que somente uma população organizada consegue conquistar mais paz e mais ordem, ao limitar e reprimir o poder de intervenção das forças policiais, agentes da desordem, sobretudo em um Estado que pratica histórica, sistemática e impunemente a violência contra sua população.
 O princípio da auto-organização da defesa das manifestações, para obter e manter o direito de manifestação e a ordem pública, diante de Estado promotor da violência e da desordem, aponta igualmente para a exigência da desmilitarização da polícia e sua colocação sob o controle e a vigilância diretas das comunidades organizadas, às quais a polícia deve apresentar contas e se submeter. Apenas o exercício da autovigilância e do autocontrole dos locais de moradia e de trabalho, por seus próprios membros organizados, permitirá minimizar a violência urbana e extra-urbana, democratizando tendencialmente a sociedade.

Correio da Cidadania: Você não enxerga, portanto, avanço qualitativo das forças populares no Brasil, quanto à organização e às políticas, depois de junho. Que medidas ou atitudes seriam, então, essenciais para capitalizar um cenário de efervescência política e social?

Mário Maestri: A reconquista parcial da situação pré-junho, que certamente não conseguiu, ainda, dissolver as conquistas no nível de consciência e das práticas de importantes parcelas da população, registra-se na atual recuperação da avaliação positiva da presidenta, favorecida pela tímida expansão econômica, pela manutenção do emprego, por medidas como o Mais Médicos e pela denúncia na ONU da ingerência estadunidense. Nem que, aparentemente, tudo parece retornar como “dantes, no quartel de Abrantes”!
 A negativa da Justiça de reconhecimento do partido de Marina Silva, que a obrigou a apear de sua demagogia anti-partido/anti-política, circunscreve o apoio do grande capital ao petismo e ao seu programa de escorcho social e alienação dos bens públicos e nacionais – salários irrisórios; privatização dos portos, aeroportos, petróleo, comunicações etc. Tudo sugere a reeleição da Dilma Rousseff, talvez sem segundo turno, em 2014, caso não tenhamos acidentes de percurso, é claro.
 As atuais mobilizações possuem caracteres distintos em relação às multitudinárias de junho. De menor significado e repercussão, temos por um lado movimentos estudantis e urbanos diversos, ainda sob a influência e impulso dos sucessos de junho. Por outro lado, importantes e combativos movimentos de segmentos assalariados médios, como os dos bancários; os dos trabalhadores do Correios; os dos professores, com destaque para os do Rio de Janeiro, que transbordam os marcos da reivindicação profissional. Eles expressam o mal estar social nascido de arrocho salarial e da degradação das condições de trabalho e de existência – elevadas jornadas de trabalho, saúde, educação, mobilidade urbana etc.
 Todas essas lutas certamente sofreram influxos positivos das jornadas de junho, que esgotaram relativamente seu dinamismo, como tendem a se esgotar esses importantes combates singulares, sobretudo devido à inexistência, sequer como tendência clara, de movimento de unificação regional e nacional, política e orgânica, dessas lutas. Ou seja, não se vislumbram órgão sindical centralizado e partidos de classe capazes de proporem e dirigirem essa imprescindível unificação e centralização, capaz de enfrentar um Estado do capital, ferreamente centralizado e unificado, sobretudo quando se trata de impor a exploração e reprimir as lutas e reivindicações sociais. Vivemos ainda dolorosamente o peso subjetivo da terrível derrota histórica do mundo do trabalho, em fins do anos 1980.
 A proposta da unidade sindical dos trabalhadores e assalariados, em torno de poderosa central sindical, foi liquidada pela ação do Estado burguês coadjuvado pelas organizações de esquerda com alguma força. Como as igrejas evangélicas, as centrais sindicais transformaram-se em espécie de caça-níqueis maravilhosos, capazes de gerar enormes ganhos econômicos, das quais nenhum grupo político com alguma força abre mão. Atomização e fatiamento que debilitam política e organicamente a luta e a organização dos trabalhadores. A mera centralização qualitativa dos trabalhadores em uma só central sindical fortalece ideologicamente o movimento e cria as melhores condições para mobilizações que questionem as direções pelegas. A atomização sindical é literalmente contrarrevolucionária.
 Os partidos que se definem de esquerda também foram absorvidos pelos prazeres da gestão, mesmo marginal, do Estado burguês. A conquista de posições parlamentares e suas benesses embriagaram, sem exceções, os principais partidos da esquerda no Brasil, que literalmente nada têm a dizer, a não ser retoricamente, ao mundo do trabalho. Preocupam-se essencialmente com a participação nas próximas eleições, para conseguirem eleger mais alguns deputados e vereadores, os que já os têm, e obter os primeiros parlamentares, os que não os têm.
 No Rio Grande do Sul, no contexto da enorme repressão do senhor Tarso Genro aos professores da rede de ensino público estadual, aos quais nega o próprio piso legal, a senhora Vera Guasso, presidente estadual do PSTU, aceitou convite para sentar-se no canapé do governador, para desdramatizar um excesso dos órgãos policiais do Estado (perquirição policial de moradia de militantes) contra o movimento social dos tantos que já se transformam em norma também no Rio Grande do Sul. No que foi seguida imediatamente pela presidente regional psolista! Tudo para obter um reconhecimento e respeitabilidade institucionais capazes, talvez, de avançar os escores eleitorais.

Mário Maestri, 65, é historiador. maestri@via-rs.net

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Para reprodução, citar: Correio da Cidadania.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Um Cálice de Porto



Num contexto de crise financeira e de crise social o Porto lá vai arrumando os seus tarecos e consolidando as suas apostas num futuro que parece congelado lá para os lados de Campanhã. A cidade está cheia de gentes de fora, que aterram todos os dias nos seus hotéis, casas de turismo, pensões e demais. Um Porto turístico que em nada se revê no outro Porto de sabores bem tripeiros onde se fala com pronuncia e se gosta de carregar nas silabas.


Mesmo em plena crise os portuenses gostam de marcar a diferença, abrem lojas de comércio, tascas e tasquinhas, hotéis e restaurantes, ocupam a cidade na baixa que por acaso até é bem alta, e deixam-se contaminar com o perfume da sua teimosia em acreditar na sua nação que é o Porto.


Contudo, se nos detivermos a olhar atentamente para o Porto das gentes e das populações, a alegria já aqui não habita e o desânimo é uma constante. Como diria uma amiga, nesta cidade anda meio mundo anestesiado e adormecido por xanaxis e calmantes, e outras substancias afins. Temos um porto apático e doente, que sofre da solidão, da exclusão, da falta de amor ou do desamor.

Até os pedintes estão mais pobres. A esmola já não é o que era. Agora, a arrumadora no Largo do Piolho resmunga que anda todo o mundo teso, nem uma esmola decente se arranja.Os euros desapareceram de circulação, os euros escuros lá começam a fazer parte da nossa economia de troca. Com os bolsos vazios de nada, os portuenses olham uns para os outros e sentem a perda de valor do seu dinheiro. Os restaurantes vazios, outros cheios lá vão. Cada vez mais, se vê homens de avental e bigode à porta dos seus restaurantes a olhar para quem passa.

Um dia destes ao subir a Rua do Almada fiquei tão chocado ao ver aquela gente toda a olhar para a rua, esperando por um cliente. Por alguém que flanqueasse a porta e fosse degustar as pitanças do mestre. No outro oposto, os restaurantes dos turistas estão cheios de gente estranha, a comer e a beber as nossas pitanças e iguarias, enquanto os portugueses fazem contas à vida.

O Porto está a ficar um Algarve. Caro para os seus moradores e cidadãos e barato e acessível para os seus turistas e visitantes. Chineses, Brasileiros, Americanos, Alemães poucos lá vão acenando com a mãozinha de cima do bus para turista.

O nosso eléctrico. Tão popular e acessível é agora elitista e burguês. Caro para aqueles que sempre nele se deslocaram da ilha, do bairro, da casa para a fabrica ou para a loja onde se ganhava o pão nosso de cada dia. Agora, vestido a rigor, com nova ideologia ao serviço da cultura e do património é considerado um monumento. Usado pelo turista estranho à cidade, abandona o seu fiel amigo que manhã cedo rompia as ruas e subia os clérigos, roncando como podia para levar estas gentes que até entao serviam nas lojas e trabalhavam nas fabricas.

Esta cidade foi excluindo os seus, deslocalizando os velhos para a periferia, e os seus jovens para os concelhos em seu redor. Temos assim, um Porto que vive numa espécie de diáspora em plena área metropolitana e um outro, mais velho e mais dependente que sobrevive  e resiste a viver nos bairros e nas casas do seu casco antigo. Um Porto mais fraco e mais vulnerável, mais envelhecido e resignado.izou-se

A cidade tem feito o seu caminho. Modernizou-se, melhorou as suas infra-estruturas, aperaltou-se toda para receber os turistas, mas esqueceu todos aqueles que lhe deram alma e o ser Porto. Esta cidade que fora de liberdade, de fraternidade e de igualdade é agora metáfora ao serviço do bem servir, do bem cozinhar, do bem enganar. Toda ela é uma espécie de farsa, de miniatura da outra cidade mais real  e de pele e osso.

Quando contemplamos as nossas ruas na cidade velha. ficamos com uma sensação de angustia e de perda de memória e de identidade urbana. As nossas ruas já deixaram de ser ruas, são espaços urbanos qualificados. Com mobiliário urbano a fazer de conta, para turista ver como somos tão civilizados. Com canteiros e instalações urbanas sem nexo e sem razão de o serem instaladas naquele sitio ou em lado nenhum.

Matamos a idiossincrasia da rua, destruímos e banalizamos a sua singularidade morfológica, uniformizamos a sua imagem e a sua traça histórica. Claro que estamos mais globalizados e turistificados.

Assim, vamos destruindo as topologias, as cotas, as pequenas diferenças que nos davam aquela nota de valor de diferença em relação a um mundo onde cada vez hà menos ruas e pessoas singulares.As nossas ruas estão cada vez mais "bonitas". Arrancamos a pele deste corpo velho e nosso, e colocamos uma nova mascara ao serviço do novo e da reabilitação do velho.

A cidadania é cada vez menos um valor de rua, de café e fica encarcerada nos museus da história e  nas redes virtuais. A rua e o seu espaço público são privatizados e vendidos aos quadradinhos a empresas e instituições, ou a particulares que aí estacionam o seu bilhete de identidade - o carro.

As praças são transformadas em lugares de troca comercial. Deixaram de ser lugares de encontro e de partilha sem ser necessário ter que pagar euros ou escudos.As praças e os mercados modernizaram-se, expulsaram os seus moradores habituais, peixeiras, talhantes e vendedoras de flores, e em seu lugar instalaram comercio para turistas e burgueses. O Bom Sucesso está mais finorio e elitista, mais global e cosmopolita, mas deixou de ser o Bom Sucesso. Transformaram-no numa prótese de vida emblemática da cidade.

Um cálice de Porto. Please!



   

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

PSD em Baião: da tragédia anunciada à glorificação dos derrotados....



As eleições de 29 de Setembro vão a partir do dia 30 de Setembro funcionar como um marco de viragem entre um PSD que trazia associado a sí todo um património de gestão autárquica de valor acrescentado, nas lideranças do Senhor Abel Ribeiro e da Drª Emília Silva e um PSD depois dos resultados de 30 de Setembro de 2013.

A situação em que se encontra o PSD de Baião é tão grave que só de pensar no assunto nos deixa em estado de grande perplexidade. Os resultados foram tão maus, tão maus que nos devem deixar a todos a pensar sobre a forma como este partido tem sido governado por um conjunto de militantes que sempre estiveram à espreita de uma oportunidade para ocuparem o poder.

Com a saída da antiga presidente de Câmara Social Democrata, Drª Emília Silva, estas pessoas que conduziram o PSD para este resultado vergonhoso e desta maneira histórico, apressaram-se a escrever e a posicionar as suas peças para assaltar a liderança do PSD local. Já ninguém se lembra da entrevista de um dos jovens turcos no Jornal O Tâmega, em que criticava violentamente a antiga lider do PSD e presidente de Câmara de Baião durante 12 anos de grande governação.

Com o vazio de poder no PSD após a saída da sua antiga líder o PSD fragmenta-se e divide-se em dois grupos: de um lado os jotinhas do PSD local, com ramificações a Marco António Costa, na altura Presidente da Distrital do PSD; e um grupo sintonizado na defesa da antiga Presidente Drª Emília Silva, e na obra que durante doze anos foi construindo por todo o concelho de Baião.

Nas primeiras eleições para a Comissão Política Concelhia aparece uma lista liderada pelo Drº Nuno Sá Costa (ex-jota) e conotado com o aparelho distrital. Nesta lista que foi única às eleições para a CPC do PSD, estavam associados alguns dos pequenos empreiteiros do concelho e que mantinham relações profissionais com alguns dos dirigentes distritais, como eram o caso de Paulo Portela e outros. O candidato Sá Costa apoiado por esta gente vai agrupar em seu redor a juventude do PSD e alguns dos críticos da gestão da antiga presidente de Câmara. Claro, que não vou aqui explicar esses motivos mas um dia quem sabe.

Entretanto, organizava-se uma alternativa que se identificava com a gestão da Presidente Emília Silva e que tinha estado muito ligado ao seu mandato. Liderada pelo Senhor Carlos Pinheiro, organiza-se uma lista que se candidata à Mesa da Assembleia Geral do PSD de Baião. Ganhando as eleições. É em torno dessa vitória e desses militantes maiores que se vai organizar uma alternativa que valorize a obra realizada pela antiga Presidente de Câmara e possa defender esse legado.

Contrariamente, o grupo liderado por Nuno Sá Costa e amigos recusam o legado da Dr Emília Silva e em jornais da terra e da região afrontam mesmo esse património. Acontecendo mesmo o improvável dos improvavéis. Tecem elogios ao actual e grande vencedor destas eleições Dr.ºJosé Luís Carneiro, numa forma de cortar com o passado. Uma espécie de complexo psicológico da política. Matar simbolicamente a mãe e apresentarem-se como os grandes políticos da terra.

O resultado foi deveras inconsequente. Não se afirmaram politicamente na terra e afastaram-se do apoio e do património da Dr.ª Emília Silva. Património político esse importantíssimo na afirmação de uma alternativa ao PS local do actual presidente de câmara.

Consequências deste acto impensado e desleal para com a antiga presidente de câmara. Duas derrotas consecutivas, a destruição do património adquirido pela Dr Emília Silva, perda sistemática de juntas de freguesia e de eleitores, perda de mandatos na Assembleia Municipal e descida de três vereadores para um vereador actual na câmara municipal.

Mais grave, um afastamento dos dirigentes do PSD actual das populações locais e das instituições. O PSD deixou de ser um partido relevante na sociedade, na cultura, no desporto, na educação e na solidariedade aos mais necessitados.

O PSD pós Dr Emília Silva é um partido de jovens sem valor e sem dimensão cultural e social relevante. Vive e viveu à sombra do património que a antiga presidente construiu mas não lhe quer reconhecer esse mérito e esse valor no contexto local.Aqueles que hoje, e ontem ocuparam os lugares cimeiros nas listas nunca foram incluídos nos lugares de topo na gestão da antiga presidente.

Mas, podemos colocar esta questão. Como é que eles chegam ao poder?

Muito simples, com o afastamento da anterior equipa o vazio acontecesse e o desânimo também. Era o momento ideal para esta gente menor ocupar os lugares de decisão local. Aliados dos caciques distritais (Marco António Costa, Aguiar Branco, Virgilio Macedo, Luís Filipe Meneses, etc.) ganham eleições para a Comissão Política do PSD de Baião e podem definir pela primeira vez os candidatos à Câmara e Assembleia Municipal de Baião. Neste concerto de interesses e amigos, aparece a figura insegura e contraditória do Senhor Engº Carlos Póvoas e do Dr Nuno Sá Costa, apadrinhada pelo ilustre Dr Aguiar Branco.

Resultado o PSD desce e desce muito. Como não bastasse, o PSD vai de novo insistir na mesma receita. Coloca o Enf,º Luís Sousa a candidato à câmara e o Dr Adriano para a Assembleia. Uma tragédia para o PSD de Baião que perde em toda a linha e transforma-se num partido irrelevante em Baião. Neste cenário trágico e de verdadeira comédia, o PSD perde as suas juntas de freguesia mais emblemáticas: Campelo e Gove.

O PSD transforma-se assim num partido menor, com gente menor que faz da política uma espécie de trampolim para promoções e arranjos de lugares para os amigos, familiares e afins.

sábado, 5 de outubro de 2013

ÉTICA E CONDIÇÃO POLÍTICA: Homens de Outros Homens!

Os resultados eleitorais do dia 30 de Setembro de 2013 marcam uma nova fase na vida pública portuguesa. Os tradicionais caciques por via da lei de limitação de mandatos ou pela via da expressão do voto popular foram remetidos para uma espécie de limbo politico. De realçar também a forma como foram penalizados os directórios partidários a nível local e regional, pelas escolhas dos seus candidatos dentro das redes dos seus interesses e fiéis companheiros.

Aquele que nos merece mais atenção é o caso da Distrital do Porto, que por insistir nos mesmos amigos e representantes das linhas do aparelho foram severamente penalizados. Destacamos a derrota esmagadora que teve o Presidente da Distrital do Porto Virgílio Macedo, digno representante do Dr Marco António Costa na Distrital. E o seu companheiro da concelhia do Porto, Ricardo Almeida. Claro que a estes derrotados temos que associar o lider do PSD Nacional Passos Coelho.

Num contexto de crise social económica o PSD de Passos Coelho e de Marco António juntaram-lhe a crise política. O PSD tem sido um partido governado na base das clientelas que se acantonaram nos aparelhos locais, regionais e nacionais e que levaram o Dr Passos Coelho até à liderança e da liderança a Primeiro Ministro de Portugal.

Qualquer militante activo do PSD distrital e local sabia que o caminho traçado por esta liderança estreita, redutora e acritica só conduziria o PSD a um isolamento social e a uma derrota que já estava anunciada. O PSD sempre demonstrou pouca capacidade critica para compreender as mudanças sociais que se estavam a processar na rua, no trabalho, na escola, na empresa, na familia e na política. O PSD refugiou-se nos seus interesses e lutas internas, isolou-se nas festas e jantaradas, nos orgãos que deram cobertura aos amiguinhos sem relevância intelectual e profissional.

Quem assistia às Assembleias Distritais e ouvia aquela gente a falar, com pose de estadista, de onde nada saía a não ser vaidade e vazio. Acreditem que era um terror, olhar para aquelas mesas e ver aquela gente feia, ignorante, sem nervo, sem valor e sem relevância cultural, politica e intelectual nos contextos locais e regionais.Falavam ninguém sabe do quê e para quê? Com sobranceria, arrogância e sem respeito por aqueles que levantavam duvidas e apontavam outras saídas.

O importante para aquelas criaturinhas era a pose para a fotografia no face da página da Distrital. Nada mais os motivava a não ser conservar o lugar na mesa e afastar a concorrência. O Presidente nunca fez um discurso de valor, de relevância para o distrito ou para a região norte. Foi sempre uma espécie de queixinhas da política em relação aos poderes centrais que não lhe davam a minima atenção às suas preocupações. Contudo, lá se iam distribuindo lugares e uns tachitos pelos fiéis companheiros da rede clientelar.

Existe uma espécie de silêncio cúmplice entre estes aparelhos, estas clientelas que de forma disciplinada ocupam os lugares de direcção partidária e consequentemente distribuem os lugares de representação e de governação pelos seus eleitos. Esta situação coloca em causa qualquer tipo de mudança e de transformação positiva dos partidos internamente, e agrava a qualidade da governação. São os mais dependentes e os mais incompetentes que se sujeitam a uma disciplina e a uma corrente de comando. Homens e mulheres sem alma, sem identidade social, sem independência económica e profissional que ficam reféns destes caciques locais, regionais e nacionais.

A partir dos directórios regionais distribuem-se os lugares das chefias administrativas do Estado ( Institutos do Estado, Agências, Direcções Regionais, Departamentos, etc.) levando a uma feudalização da política partidária.Contribuindo também para uma verticalidade de dependências entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem.

Ao longo destes últimos anos, foram-se construindo laços de dependência entre as classes políticas, com o aparecimento de «homens de outros homens», num grau inferior em relação aos chefes e aos padrinhos das cliques.Estas relações de dependência encontraram o seu fundamento na necessidade de ganhar poder interno às chefias dos partidos e na capacidade de controlar a distribuição dos lugares nas estruturas da administração do estado ou das empresas controladas pelo mesmo Estado.

Estes «Homens de outros homens» oriundos do aparelho partidário das «jotas» e das estruturas locais das periferias das cidades, com alguma formação superior nas áreas do Direito, do Ensino, da Gestão, da Saúde e dos Serviços geralmente em Universidades Privadas, são sem duvida a base de suporte destes caudilhos regionais que influenciam e determinam a política nacional.

Entre eles foi-se construindo um conjunto de códigos de identificação, o serem oriundos das jotas partidárias, baptismo que lhes garante um lugar de destaque nas listas e no acesso aos cargos disponíveis. Por outro lado, estes «homens de outros homens» são obrigados a uma espécie de juramento de compromisso e de fidelidade ao chefe.

Legitimam a autoridade do chefe com a sua presença nos órgãos e na defesa dos interesses do chefe, bem como lhes cumpre a tarefa de afastar outros concorrentes da zona de acesso ao poder. São uma espécie de «caes de fila», agressivos, cinicos, impostores, mal educados, sem nenhum tipo de respeito por aqueles que os rodeiam e não pertencem ao grupo. Não toleram a diferença nem a alternativa.

No PSD Distrital esta realidade foi bem a marca da direcção do actual Presidente da Distrital, que é uma espécie de sargento-mor do Dr Marco António Costa e seus companheiros. Estamos perante uma linhagem de senhores da política regional que entre si, trocam os poderes e definem os compromissos necessários e possíveis no jogo da política dos interesses.

Temos num escalão mais alto os Chefes e num escalão mais baixos os que fazem a intermediação entre os que mandam e os que obedecem. Toda esta tribo se organiza em torno de secções locais do PSD -, uma espécie de torres de reserva de poder a partir da qual dominam os poderes regionais e nacionais. Nestas secções vamos encontrar uma espécie de «tiranetes de secção» que são comandados pelo sargento-mór que preside na distrital em nome daqueles que o lá colocaram.

Assim, se vão construindo as fidelidades políticas e assim se vai contaminando a vida publica com figuras menores, incompetentes e anti-democráticas. Como contrapartida estes «homens de outros homens» ocupam os lugares da administração pública local, regional e em alguns casos são eleitos como deputados da nação.

No caso concreto do PSD distrital do Porto a lista para deputados das últimas eleições é um documento precioso destas dependências e fidelidades entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem.

É uma espécie de parentela política que troca entre si favores e lugares. Contamina a sociedade portuguesa e intoxica o Estado com gente sem valor e sem relevância de qualquer natureza.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ESTE PORTO NÃO É O NOSSO PORTO...

A cidade do Porto nunca foi uma cidade de grandes mudanças e de grandes transformações. As suas elites sempre estabeleceram uma espécie de compromisso entre um Porto Conservador e Burguês, e um Porto Socialista e Republicano. A sociedade portuense nunca foi dada a grandes rupturas sociais, culturais e políticas. Pelo contrário, as grandes mudanças foram-no sempre em nome de Revoluções e de mudanças violentas em contextos muito especificos.

As suas instituições tiveram sempre aquele ímpeto transformista, mas nunca foram uma força de mudança radical. O Porto sempre foi uma cidade de compromissos, de pactos, de cedências, de resistências. O Porto é uma cidade de resistência, e nunca uma cidade aberta ao mundo, cosmopolita e universal. O Porto sempre teve aquele ar caseiro da Foz e da Ribeira, contracenando com os palacetes da rica burguesia. 

Uma cidade que vai da «Ribeira até à Foz» na voz de Rui Veloso, e, que traduz bem este lado rural, fechado, localista e tripeiro.

O Porto nunca foi de Garrett e de herculano ou de Antero. Nem mesmo o foi de Eugénio de Andrade. Mal o poeta fechou os olhos e encerram-lhe a fundação lá para os lados da Foz. Agustina vive enclausurada na sua domus literária. O Porto é assim, fechado, elitista, burguês e provinciano. O Porto é escuro, cinzento e popular para Resende.

Os seus arquitectos são mal compreendidos e violentamente atacados na praça, no quiosque, na esquina, e agora nas redes sociais. Siza Vieira mal amado e incompreendido pela sua cidade. Souto Moura o estranho e provocador genial que desenha um burgo na vertical lá para os lados da Av. da Boavista. 

No Porto a filosofia rima com poesia. Desde Almeida e Antero, Leonardo Coimbra e Pascoaes, Teófilo e Pedro Homem de Mello. No Porto nunca houve aquilo que poderiamos chamar de Escola. A escola era o café, a tertulia, o gabinete, o sindicato, a viagem, a Cooperativa Árvore e a Confronto, o devaneio associados ao impulso criador - a curiosidade pelo saber e pela singularidade do outro diferente.

Nesta cidade a liberdade rima com criatividade. Ainda, hoje, falar de Escola de Arquitectura do Porto, é para os nossos arquitectos, como Siza e Souto Moura um puro eufemismo e vaidade.

Este Porto com sabor a tripas, com cheiro a rio e mar é único e singular na morfologia da cidade e na produção artística e cultural.
Mas também é um Porto mesquinho, estreito e redutor quando olha para os seus criadores e génios com desconfiança e desdém, próprios de um pequeno burgo que vive com um pé na Foz e outro na Metrópole. O Porto de Manuel de Oliveira é universal e cinematográficamente genial quando retrata o quotidiano de um Porto pobre e clandestino e faz daí a sua arte.

O Porto político tem sido um Porto do aparelho e da clientela. Pouco lucido e universal. Tem faltado raça e engenho ao governo da cidade. Vereadores que se recusam a atribuir ruas a poetas e a escritores; que negam a arte e a cultura que faz «ser» a sua cidade. 

O Porto Político é conservador e mesquinho, egoísta e analfabeto. Burguês na acção e rude no pensamento. O Porto Político desconfia da universalidade e da sua identidade cultural. Persegue e desloca os fracos que habitam na cidade, e protege e glorifica os fortes que vivem à sombra dos poderes que governam a cidade. 

Hoje!... Sim, hoje, gostavamos de ter um novo Porto. Um Porto que dialoga-se com os fortes e portege-se os fracos. Que fizesse da sua governança uma lição de cultura civica aberta ao mundo, à criatividade e à diferença cultural. 

Um Porto que tivesse como propósito a criação e valorização de uma cidade para todos e com todos. Um espaço inclusivo alicerçado em valores humanistas de respeito pelas diferenças singulares. 

Uma cidade onde as ruas não podem ser unicamente um espaço de negócio mas um lugar de convivio, de fraternidade e de socialização. Onde o viver aqui seja um ato digno de respeito por todos. Um Porto que conserve e valorize as suas ruas, os seus bairros, as suas ilhas, os seus jardins.

Um Porto que abra as portas dos seus museus, das suas salas de cinema, dos seus jardins e palácios. Um Porto de espaço aberto e plural para o saber e para a arte, que se aprende a fazer nas escolas e instituições (Teatros e Cooperativas) da cidade.

Um Porto Cidade que não seja mais um Porto da não-cidade. Onde se derrubem casas e bairros, se desloquem pessoas e familias, se lance o estigma sobre comunidades inteiras. 

Este Porto não é o nosso Porto.

Não quero mais um Porto que afasta vizinhos e parentes, que deixa velhos e crianças sem cama e sem bens, sem alma e sem auto-estima.

Não quero um Porto de fato cinzento e gravata, nem a falar com sotaque de metropole. 

Quero um Porto tripeiro e popular, criativo e universal. 
Um Porto de pensamento e de acção governativa em busca da qualidade e da universalidade. 

Um Porto com propósito e com Futuro. 
Sem nunca esquecer a sua cultura e a sua identidade.

  

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Dia 29 de Setembro....

Os resultados das Eleições do dia 29 de Setembro possivelmente serão um marco de mudança na forma de fazer política em Portugal. Quer pelas consequências quer também pelos resultados obtidos nas cidades do Porto, de Gaia, de Braga, e no Funchal.

De tal maneira nos parece uma constatação que podemos afirmar que nestas eleições o povo português das grandes cidades recusou de forma categórica o populismo e a demagogia política de certas candidaturas. Evidente, que o contexto de crise social e de crise política também funcionou como um estimulante cerebral para os eleitores. Associado a uma vontade de mudança e de ruptura com as identidades políticas instaladas nos directórios partidários.

Durante as últimas décadas foram os directórios dos partidos a decidir quem eram os candidatos de primeira e de segunda linha a candidatarem-se a cargos políticos. Esta insistência levou ao aparecimento de um caciquismo e aparelhismo redutor e conservador. Criaram-se clientelas, lobbis partidários, clivagens e lutas dentro e fora dos aparelhos pela conservação dos poder. As energias concentravam-se no interior dos partidos na luta interna, em detrimento da organização e da programação de uma ideia para o futuro da sua cidade, da sua região ou do seu país.

A vida política e a luta interna nos partidos foi assim uma espécie de instrumento para promoções pessoais, para acesso a lugares de destaque da administração do Estado. Sem esquecer as "negociatas" que envolvem os interesses do Estado e os interesses dos particulares. A relação entre políticos e grandes instituições financeiras e de capitais globais foi e tem sido de grande promiscuidade. Situação esta que tem lesado o Estado português em milhares de milhões de euros.

A partir deste estado de coisas a nossa democracia foi-se degradando face a uma corrupção que contaminou e contamina de forma transversal a sociedade portuguesa, e em particular os políticos e os partidos.

A vitória das candidaturas independentes pode e deve trazer uma nova frescura e honestidade à acção política, deslocando dos partidos clássicos dessa dominância sobre a governança das nossas cidades e concelhos. Permitindo um aprofundamento da democracia, oxigenando a vida pública, e erradicando as clientelas partidárias que ocuparam e se instalaram na administração local e regional.

O caso da vitória no Porto pelo independente Rui Moreira é paradigmático dessa possibilidade de abertura, de regeneração governativa da cidade, de renovação de formas e de instrumentos, que cortem com os aparelhos que ao longo das últimas décadas se foram instalando na administração da cidade.

Vamos aqui sinalizar alguns dos departamentos da Cidade que nos merecem alguma preocupação. Por exemplo, o comando da Policia Municipal do Porto. Consideramos que deve ser renovado de forma a introduzir outras formas de actuar na cidade. Ao longo destes últimos anos, fomos assistindo que o comando municipal usou e abusou do seu poder, com acções demasiadamente fortes e desajustadas. Como por exemplo, no desalojamento e deslocação dos moradores do Bairro Nicolau, com um aparato de 40 viaturas e dezenas de efectivos.

A Domus Social deve ser reestruturada de cima abaixo. Mudando o seu paradigma de organização e de acção. É urgente substituir os quadros e introduzir uma nova forma de ver a habitação e a coesão social. Criar um gabinete da Habitação e Coesão Social, aproveitando a experiência da Domus Social mas introduzir uma nova chefia e uma nova programação, associada às escolas de arquitectura, de Serviço Social, de Engenharia. Possibilitando uma intervenção acção mais programática e mais social.

A cidade deve ser participada, criativa e inclusiva de forma a consolidar novas formas de acção política de natureza humanista e social democrata. É urgente alterar alguns dos procedimentos relativos à forma como se abordou o problema da habitação na cidade do Porto. Acredito que Rui Moreira terá essa sabedoria, esse humanismo e essa força liderante. Evitando, as contaminações daqueles que de forma eficaz se aproximam de si, fazendo a ponte entre os interesses e as práticas que vêm de trás, mas com o intuito de conservar ou ampliar os seus poderes na governança da cidade.

Se não houver essa ruptura corremos o risco de dar continuidade a velhos hábitos e interesses. Eles na noite de 29 já lá estavam a espreitar. As vitórias têm esse problema. No dia da vitória essas almas penadas aparecem sempre. Independentemente do rosto do vencedor.