sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Um Cálice de Porto



Num contexto de crise financeira e de crise social o Porto lá vai arrumando os seus tarecos e consolidando as suas apostas num futuro que parece congelado lá para os lados de Campanhã. A cidade está cheia de gentes de fora, que aterram todos os dias nos seus hotéis, casas de turismo, pensões e demais. Um Porto turístico que em nada se revê no outro Porto de sabores bem tripeiros onde se fala com pronuncia e se gosta de carregar nas silabas.


Mesmo em plena crise os portuenses gostam de marcar a diferença, abrem lojas de comércio, tascas e tasquinhas, hotéis e restaurantes, ocupam a cidade na baixa que por acaso até é bem alta, e deixam-se contaminar com o perfume da sua teimosia em acreditar na sua nação que é o Porto.


Contudo, se nos detivermos a olhar atentamente para o Porto das gentes e das populações, a alegria já aqui não habita e o desânimo é uma constante. Como diria uma amiga, nesta cidade anda meio mundo anestesiado e adormecido por xanaxis e calmantes, e outras substancias afins. Temos um porto apático e doente, que sofre da solidão, da exclusão, da falta de amor ou do desamor.

Até os pedintes estão mais pobres. A esmola já não é o que era. Agora, a arrumadora no Largo do Piolho resmunga que anda todo o mundo teso, nem uma esmola decente se arranja.Os euros desapareceram de circulação, os euros escuros lá começam a fazer parte da nossa economia de troca. Com os bolsos vazios de nada, os portuenses olham uns para os outros e sentem a perda de valor do seu dinheiro. Os restaurantes vazios, outros cheios lá vão. Cada vez mais, se vê homens de avental e bigode à porta dos seus restaurantes a olhar para quem passa.

Um dia destes ao subir a Rua do Almada fiquei tão chocado ao ver aquela gente toda a olhar para a rua, esperando por um cliente. Por alguém que flanqueasse a porta e fosse degustar as pitanças do mestre. No outro oposto, os restaurantes dos turistas estão cheios de gente estranha, a comer e a beber as nossas pitanças e iguarias, enquanto os portugueses fazem contas à vida.

O Porto está a ficar um Algarve. Caro para os seus moradores e cidadãos e barato e acessível para os seus turistas e visitantes. Chineses, Brasileiros, Americanos, Alemães poucos lá vão acenando com a mãozinha de cima do bus para turista.

O nosso eléctrico. Tão popular e acessível é agora elitista e burguês. Caro para aqueles que sempre nele se deslocaram da ilha, do bairro, da casa para a fabrica ou para a loja onde se ganhava o pão nosso de cada dia. Agora, vestido a rigor, com nova ideologia ao serviço da cultura e do património é considerado um monumento. Usado pelo turista estranho à cidade, abandona o seu fiel amigo que manhã cedo rompia as ruas e subia os clérigos, roncando como podia para levar estas gentes que até entao serviam nas lojas e trabalhavam nas fabricas.

Esta cidade foi excluindo os seus, deslocalizando os velhos para a periferia, e os seus jovens para os concelhos em seu redor. Temos assim, um Porto que vive numa espécie de diáspora em plena área metropolitana e um outro, mais velho e mais dependente que sobrevive  e resiste a viver nos bairros e nas casas do seu casco antigo. Um Porto mais fraco e mais vulnerável, mais envelhecido e resignado.izou-se

A cidade tem feito o seu caminho. Modernizou-se, melhorou as suas infra-estruturas, aperaltou-se toda para receber os turistas, mas esqueceu todos aqueles que lhe deram alma e o ser Porto. Esta cidade que fora de liberdade, de fraternidade e de igualdade é agora metáfora ao serviço do bem servir, do bem cozinhar, do bem enganar. Toda ela é uma espécie de farsa, de miniatura da outra cidade mais real  e de pele e osso.

Quando contemplamos as nossas ruas na cidade velha. ficamos com uma sensação de angustia e de perda de memória e de identidade urbana. As nossas ruas já deixaram de ser ruas, são espaços urbanos qualificados. Com mobiliário urbano a fazer de conta, para turista ver como somos tão civilizados. Com canteiros e instalações urbanas sem nexo e sem razão de o serem instaladas naquele sitio ou em lado nenhum.

Matamos a idiossincrasia da rua, destruímos e banalizamos a sua singularidade morfológica, uniformizamos a sua imagem e a sua traça histórica. Claro que estamos mais globalizados e turistificados.

Assim, vamos destruindo as topologias, as cotas, as pequenas diferenças que nos davam aquela nota de valor de diferença em relação a um mundo onde cada vez hà menos ruas e pessoas singulares.As nossas ruas estão cada vez mais "bonitas". Arrancamos a pele deste corpo velho e nosso, e colocamos uma nova mascara ao serviço do novo e da reabilitação do velho.

A cidadania é cada vez menos um valor de rua, de café e fica encarcerada nos museus da história e  nas redes virtuais. A rua e o seu espaço público são privatizados e vendidos aos quadradinhos a empresas e instituições, ou a particulares que aí estacionam o seu bilhete de identidade - o carro.

As praças são transformadas em lugares de troca comercial. Deixaram de ser lugares de encontro e de partilha sem ser necessário ter que pagar euros ou escudos.As praças e os mercados modernizaram-se, expulsaram os seus moradores habituais, peixeiras, talhantes e vendedoras de flores, e em seu lugar instalaram comercio para turistas e burgueses. O Bom Sucesso está mais finorio e elitista, mais global e cosmopolita, mas deixou de ser o Bom Sucesso. Transformaram-no numa prótese de vida emblemática da cidade.

Um cálice de Porto. Please!



   

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