segunda-feira, 7 de abril de 2014

Primavera Vermelha

A primavera chegou com as suas chuvas e os seus nevoeiros. A minha cidade acordou com frio e humidades nas ruas, nas casas, nas praças onde as pombas debicam alguma coisa de forma muito silenciosa. As pessoas apertadas até ao pescoço recusam o frio e lá vão enfiadas na sua vida. O país também lá vai como pode, ou como o deixam ir. Corte ali, programa para acolá, e a vida política lá se arrasta de forma melancólica e pesada.

Os meus cafés cada vezes com mais turistas e com menos portuenses, amigos e vizinhos, dá-nos a sensação de que afinal a cidade está viva e cheia de luz. Mas, afinal os tempos estão vazios e crus. As pessoas vão partindo para dentro de si, afogando-se numa melancolia doentia que vai lacando o nosso viver quotidiano.

O cinzento é absoluto nesta cidade de luz e de rio e mar. Que paradoxo é este que nos esconde do rio, do mar, da luz e do sol e nos remete para um retorno à caverna das origens. A festa já não é festa, mas programação artificial comandada pelo mercado e pelo lazer artificial ao serviço das modas turísticas.

As pessoas perderam o seu fio ontológico (de ser história) e mergulharam num espaço linear e cíclico, sem tempo e sem contexto. As estruturas das descontinuidades perderam a sua razão de ser e de existir, o mandato foi substituído pelo mercado efémero que transforma as pessoas em meros consumidores sem identidade e sem singularidade. Os territórios transformam-se em espaços globalizados ao serviço de um homem descarnado de sociedade, de cultura e de política. A memória, o tempo, a ruína são os maiores inimigos desta sociedade global e ficcional.

Foucault já nos tinha anunciado a morte do homem moderno, associando-lhe a erosão do tempo e do espaço. Infelizmente, não lhe de-mos a devida referencia epistemológica. E, eis-nos aqui, agora, a constatar uma evidência já anunciada.

O fim das estruturas foi sem duvida um dos grandes problemas da sociedade actual. Sem sociedade, sem poder, sem cultura. A política transformou-se num jogo sem regras e sem fundamentos éticos e filosóficos. Enclausurou-se nos gabinetes das bolsas especulativas e dos mercados selvagens. O homem político foi substituído pelo homem pós-moderno.

As sociedades globalizaram-se no modo e na forma, conduzindo o actor social para uma espécie de retorno à vida na caverna. Reduzido a um contexto onde as emoções, as imagens, e as projecções dominam o seu universo de vida. Estamos perante a perda de vida social. A partir de agora, é na ausência de realidade concreta e territorialmente vivida que desenvolvemos as nossas interacções.

Estamos aqui e agora. Mas vivemos no ali inconstante e hiper volatil. Nada é como era. E não tem de o ser. O retorno ao passado é também uma espécie de nostalgia que nos remete para uma mistificação de um paraíso perdido. E na realidade o passado não o é e nunca o será. É na dinâmica e na transformação dos tempos que o homem se realiza e se integra. A mudança, o movimento leva-nos para a valorização do fragmento como partícula desintegrada de um processo de longas durações.

Será talvez oportuno referir que os tempos modernos são sempre de resistência e de vanguardas. De rupturas e de afirmações fortes e diferentes. Onde a criação e o novo são uma espécie de choque e de recusa desse tempo redondo e salvífico. A heresia está sempre associada ao Tempo Novo. É desse Tempo Novo que se espera que o Homem encontre de novo essa força de mudança e de renascimento.



2 comentários:

Janaína Ynaê disse...

Este é daqueles textos que quando lemos ficamos a desejar que tivessem sido escritos por nós mesmos. Eu que sou filha adoptada do Porto faço minhas as suas palavras. E o mais curioso é que no sábado a noite, enquanto aguardava na Ribeira o início do encerramento do Workshop, passaram-me exatamente estas coisas pela cabeça, quando me apercebi que estava no meio de tanta, tanta gente, e que ainda assim não ouvia a nossa língua portuguesa. São palavras como as suas que nos relembram o sentido da luta pela cidade.

Aline Augusto disse...

Este é daqueles textos que quando lemos ficamos a desejar que tivessem sido escritos por nós mesmos. Eu que sou filha adoptada do Porto faço minhas as suas palavras. E o mais curioso é que no sábado a noite, enquanto aguardava na Ribeira o início do encerramento do Workshop, passaram-me exatamente estas coisas pela cabeça, quando me apercebi que estava no meio de tanta, tanta gente, e que ainda assim não ouvia a nossa língua portuguesa. São palavras como as suas que nos relembram o sentido da luta pela cidade.