quarta-feira, 11 de junho de 2014

As narrativas de Cavaco...



A queda do Presidente da República é um sinal dos tempos. Tempos que já foram de exaltação e de celebração da pátria de Camões. De festas gordas e apinhadas de gentes com bandeirinhas, lenços e chapeladas. Com discursos longos, simpáticos e proféticos a um povo alienado pelas narrativas ficcionais de uma Europa para todos.

Pregava-se o pão nosso de uma Europa rica, desenvolvida, solidária e progressista. Inventavam-se programas numa espécie de catecismo em prol de uma Europa unida e forte. Tratados e mais tratados, compromissos e mais compromissos. Quadros de referencia estratégica para aproximar os fracos dos mais fortes. Os ricos davam aos pobres e os pobres recebiam dos ricos. Tudo corria bem na eurolândia dos burocratas e dos demagogos.

Inventava-se o discurso da subsidiariedade europeia, do multiculturalismo, da herança europeia muito antiga e bem definida. Jacques Le Goff, o historiador francês da escola dos annalles inventava uma nova história para esta Europa mítica e fundacional, católica, protestante,judaica e muçulmana.

Era tudo tão perfeito. Criamos um parlamento europeu a fazer de conta. Um governo a fazer de conta. Um banco europeu a fazer de conta. Uma moeda a fazer de conta. Toda a gente acreditava na narrativa. Em Portugal os lideres políticos lá iam vendendo aos indígenas da nação o pacote de uma Europa Unida e Solidária. Despejaram-se toneladas de dinheiro que vinha dos nossos parentes ricos. Tínhamos descoberto de novo a "nossa" árvore das patacas. O nosso brasil era primeira vez aqui ao lado.

Tudo tão perfeito. Abi Feijó no seu "Fado Lusitano" levanta duvidas a esta narrativa. E chama-lhe loucura insana e ingénua. Manuel de Oliveira com "NON" leva-nos para os nossos palácios da psique colectiva. E deixa-nos irritados. Deixamos de pensar. Eduardo Lourenço na sua linguagem de uma identidade cultural europeia lá dá o fermento ideológico e estético a uma Europa que ele quer socialista e cosmopolita.

Inventamos o Homem do Leme. E o Homem do Leme inventou o "novo português". Construímos auto-estradas dando-lhes o nome de IPs e ICs por onde circulavam carros e carrões. Abandonamos a pesca e a agricultura, sinais de um país atrasado e anti-europeu. Mandamos queimar olivais e pomares, barcos e conserveiras, deslocamos os pescadores das frentes de praia para aí instalar unidades turísticas para os povos ricos do Norte e para os "Novos Portugueses" que Cavaco ajudou a criar.

Ser político era uma carreira de sucesso na mobilidade social e económica da Nova Republica. Bastava a militância e o cartão de sócio num  clube de primeira. Meu filho o futuro está garantido: o papa vai para político. Os políticos eram como os eucaliptos. Muitos e em grande mancha mas pouco ou nada úteis à sociedade onde se integravam. Secavam tudo ao seu redor.

A narrativa está suspensa. Os heróis desfaleceram. Os políticos são menores e ridículos. O Povo cai de si e sente que lhe mentiram. Foi tudo uma farsa.

Fica-nos a ironia, a raiva e a miséria resignada. Claro que não. Outros dias virão!...

Sem comentários: