terça-feira, 4 de setembro de 2012

RTP - uma metáfora ao serviço público

A polémica sobre o que fazer da RTP e de todos os seus canais televisivos tem despertado algumas vozes mais infamados de todos os sectores da sociedade civil portuguesa, que apontam uma série de argumentação em favor ou contra esta instituição do Estado.

Habituei-me a acordar ao som da RTP e a esperar que o seu programa abrisse para deleite dos mais pequenos e graúdos. Sou em certa parte um produto da RTP do Estado Novo que aparecia como uma grande mãe ao serviço da educação e da formação dos valores da pátria que um regime fora de moda teimosamente queria manter e difundir.

Ao ler o texto do jornalista e amigo José Augusto Moreira sobre a RTP, no Jornal Público, fui levado pela leitura de tão excelente trabalho jornalístico para a minha infância. Um reino onde domina a inocência e a virtude de criança. Ainda não tinha adquirido consciência de que esta Caixa que nos ligava ao Mundo, era o melhor instrumento para divulgar as ideias e virtudes de Regime Ditatorial que nos governava. Tudo parecia normal para nós, desde o culto da bandeira, de um hino, do amor à pátria, do nacionalismo que nos entrava diariamente pela casa dentro a partir de uma caixa redonda pesadíssima, com imagem e som. Para nós aquela caixa era uma coisa mágica e maravilhosa.

A nossa entrada na juventude e a nossa politização veio-o nos dar a conhecer outra realidade social e política bem diferente. A instalação do regime democrata em Portugal após o 25 de Abril de 1974, permitiu que passados aqueles períodos de radicalismo ideológica da estrema esquerda, que o nosso país entra-se na normalidade democrática com eleições livres.Os tiques do esquerdismo revolucionário foram sendo neutralizados e integrados no regime democrático, possibilitando que a sociedade portuguesa se pacifica-se e caminha-se para uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

A RTP foi desempenhando aqui um papel fundamental e pioneiro na forma de informar e formar, sempre condicionada pelo regime ou regimes, pelos interesses politico-partidários, pelos lobbes económicos e culturais. Sem esquecer o período em que esteve sobre a tutela e domínio do Conselho da Revolução. A partir de um certo momento a informação começa a ser um poder efectivo e activo na sociedade portuguesa e aparecem as primeiras tentativas de controlar e manipular a informação em função dos interesses partidários e dos ideologismos da época.

Durante esta fase não se fala em custos, nem em dinheiros, nem em desperdicios de recursos nacionais. Era o único canal que o país tinha e nesse sentido reinava de forma absoluta e poderosa no Reino da Jovem Democracia. Este estatuto permitiu-lhe uma grande implantação na sociedade, nos partidos, nas universidades, nas empresas, nas estruturas intermédias do Estado. A RTP era o próprio Estado dentro do Estado. Senhora de si propria, dominadora e dominante, tudo podia e tudo fazia. Uma espécie de EDP dos dias de hoje.

Com a liberdade da comunicação e da imprensa e com o aparecimento de outros canais da televisão (SIC e  TVI) a RTP nunca mais foi a mesma. Não se soube adaptar aos tempos modernos e globalizados do mercado de capitais, não soube encontrar o seu caminho. Nem nunca soube aprofundar o seu desígnio que era de se adaptar a um regime democrático e europeu. Continuou pública e estatal na forma e no conteúdo, isto é, foi servindo o novo regime (agora democrático?) como servia a Ditadura de Salazar. Sem sentido critico lá foi caminhando entre o Estado que idolatrava e servia de forma submissa e um mercado cada vez mais liberal e global.

As sociedades globalizaram-se e comprimiram-se entre um espaço cada vez menos real, onde o virtual e o cabo dominam e definem as modas e os modelos à distancia de um clique. Tradição e contemporaneidade entram definitivamente em colapso, desvalorizando-se as memórias e o positivismo do século passado. A velocidade e a erosão do tempo, associados a um mundo cada vez mais interactivo, desprezam a mundividência do reino da telelândia.

É neste cenário caótico e distorcido que a RTP viveu e ainda sobrevive, num anacronismo sem nexo e sem fundamentação possível. O Estado está em estado de coma, obsoleto e sem recursos, e a sua querida filha e herdeira é vitima dessa dupla realidade. Uma espécie de caixa de pandora que cada vez que se lhe toca, do seu interior sai sempre um monstrosinho que vem complicar mais a sua já triste realidade.

Quando se coloca a questão do Serviço Público. Sem duvida que a RTP sempre foi digna desse nome. Sempre serviu os seus regimes de forma dedicada e exemplar, sempre fez questão de ser voz do Estado e do seu Regime, fosse ele ditadura, fosse ele revolucionário e militarizado, fosse ele democrata e cristão. Os seus programas sempre foram um espelho fiel dessas realidades, dessas ideologias que queriam formar camponeses, costureirinhas, operários, engenheiros doutores e professores.

 Uma RTP acritica, fiel e exemplar na forma como acolhia todas aquelas figuras que em nome do estado, da cultura e da pátria teciam elogios à grei e a raça.Mesmo quando nos aparece um Solnado que quer ser Soldado, não é mais do que uma metáfora que do fundo da sua ideologia ganha mais realismo conservador e deixa de forma subtil para os ditos intelectuais da tv a critica e o sentido duplo do contexto social da época.

Faz sentido uma RTP na posse do Estado? Faz sentido alienar a RTP impondo taxas aos contribuintes? Faz sentido uma RTP a concorrer com os canais livres do mercado concorrencial? Faz sentido uma RTP de luxo, que paga de forma irracional salários principescos? Digo claramente que não.

Uma RTP Pública tem de ser contida, barata, sensata à cultura e ao conhecimento. Que abandone a banalidade de programas estupidos e ridiculos. Sem praças da alegria e outras coisas do género. Que seja paga pelo Estado e pelo contribuinte, sem publicidade. Contida na forma e na escala. Ao serviço de causas fraturantes e de vanguarda. Que abandone o seu passado submisso a um poder e a um controle do Poder que Governa.

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